segunda-feira, 23 de março de 2009

PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
PROCESSO EVOLUTIVO DA ALFABETIZAÇÃO


Silvete Maria de Quadros

A alfabetização é um processo longo que se inicia a partir do momento em que a criança tem acesso ao mundo letrado. Desde tenra idade, a criança já faz os seus registros e assim ela vai se desafiando, inventando, testando, criando hipóteses e dessa forma vai construindo seu conhecimento. Segundo Emília Ferreiro (1987), as crianças passam por níveis para se alfabetizar. Ferreiro fez estudos sobre a evolução da escrita e identificou primeiramente três níveis, os quais chamou de pré-silábico, silábico e alfabético.
No nível pré-silábico a criança descobre que para escrever ela usa símbolos diferentes que nos desenhos. A criança vai utilizando símbolos variados até conseguir representar graficamente as letras, sem fazer qualquer correspondência entre grafias e sons. Mais tarde, nessa mesma fase as crianças relacionam as grafias aos objetos.
O nível silábico apresenta outras características. Nessa fase a criança descobre que a escrita representa os sons da fala e registra para cada sílaba uma grafia.
A criança vai evoluindo e chega então ao nível alfabético. Nesse momento desaparece a análise silábica e inicia a correspondência entre fonema e grafia.
A apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo que acontece progressivamente, à medida que a criança tem oportunidades de interagir com pessoas que escrevem e com materiais escritos. A partir destas interações a criança vai construindo idéias, hipóteses sobre o que ‘lê’ e ‘escreve’. Crianças que vivem em ambientes onde se usa a escrita, socialmente, que vêem pessoas lendo e escrevendo em casa, que estão na escola, que tem irmãos e amigos que lêem e escrevem interessam-se em escrever e também compreender a escrita; querem também dominar este instrumento social e, para alcançar seu intento, pensam, inventam as teorias infantis. (FERREIRA; CRUZ, 2005, p.38-39)

Falar em processo de alfabetização de crianças parece tranqüilo, elas aprendem as coisas de maneira muito variada e chegam à sala de aula com concepções e explicações já estabelecidas. O processo de aprendizagem é rápido. E quando falamos de crianças com deficiência mental? Como acontece a alfabetização dessas crianças?
Segundo Isabel Neves Ferreira e Mara Monteiro da Cruz (2005), as crianças com deficiência mental, de modo geral, apresentam limitações lingüísticas mais graves, tendo desvantagens em relação às crianças sem deficiência mental no processo de aprendizagem. No entanto, elas passam pelo mesmo processo para se alfabetizar.

“Não se pode negar a deficiência, mas não se deve aprisionar a criança neste rótulo.” (FERREIRA; CRUZ, 2005, p.51)

Nesse caso, torna-se fundamental que cada criança seja vista e tratada como pessoa única e com inúmeras possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem, independente de sua condição patológica. Para isso, torna-se necessário considerá-las crianças em desenvolvimento, investindo nas possibilidades e não nas dificuldades.


O INVESTIMENTO NA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

Assim como é importante para a criança sem deficiência um ambiente familiar equilibrado, para que seu desenvolvimento cognitivo, afetivo, físico e social aconteça tranquilamente, também o é para a criança com deficiência.
Os pais, quando desejam ter um filho, fazem projetos desde o início da gestação, criam expectativas em relação ao que a criança vai fazer, falar, andar entre tantos outros sonhos que depositam nesse novo ser.
Ao nascer um filho com deficiência, os pais entram em choque pois não era esse o almejado. É um momento de muita tristeza, de muitos questionamentos acerca daquela criança que não foi desejada, mas que está ali e necessita de carinho e cuidados. O quadro apresenta o período que os pais, a família em si, passa para chegar a um ponto de equilíbrio e então reorganizar a vida com esse filho.
Num primeiro momento, então, os pais entram em choque, não sabem muito bem lidar com a situação e precisam de apoio. Logo, é provável que haja então um período de negação. Nesse período surgem os questionamentos e a descrença. Geralmente os pais saem à procura de respostas às suas perguntas e a opiniões diferentes, tendo dificuldade ainda de acreditar que seu filho não é aquele que desejaram.
Passados os períodos de choque e negação, ocorre tristeza e raiva pela perda do filho perfeito, provocando muita confusão emocional. Também podem revoltar-se com os profissionais, culpam a si mesmos, pensam ser uma punição. É um período em que os pensamentos e os questionamentos tornam-se bastante confusos.
O equilíbrio acontece após toda essa confusão de sentimentos, quando os pais conseguem acalmar-se e se recomporem emocionalmente. Essa fase lhes permite chegar à fase de reorganização. Na fase da reorganização os pais acreditam na sua capacidade de cuidar do filho.
O quadro a seguir apresenta a intensidade da reação, sendo esse um tempo relativo, pois as fases que os pais passam não possuem uma duração uniforme, isso depende de cada caso.

Intensidade da reação

Tempo relativo
Fonte: Viver plenamente-convivendo com as dificuldades de aprendizagem, p.40.



Quando os pais chegam ao equilíbrio, reorganizando suas emoções, eles passam a investir tudo o que podem para que ele se desenvolva da melhor maneira possível. Nesse momento, a escola passa a fazer parte da vida desses pais, pois eles passam a acreditar no potencial do seu filho deficiente.
A escola tornou-se o lugar onde a criança inicia sua socialização até se constituir adulta. Educar as crianças é uma tarefa que se apresenta de várias formas, vai depender da posição do adulto que a faz com a relação que o mesmo tem com a criança. Por isso, de maneira alguma deve-se confundir o lugar dos pais com o dos professores.
Assim como a educação que os pais dão para a criança parte de um desejo e dos ideais que pautam esse desejo, o professor tem a função co-existiva a dos pais na medida em que se articula o desejo de educar com o desejo de ensinar.
O desejo de educar e o desejo de ensinar permeiam a perspectiva em constituição, sendo este um ato pedagógico legítimo do professor, situando-se assim num lugar diferente do lugar dos pais.

“A influência dos estímulos do meio social, representado pela família e pela escola, é decisiva na aprendizagem.” (FERREIRA; CRUZ, 2005, p.25)

Destaca-se, portanto, a importância dos pais e professores acreditarem na aprendizagem das crianças com deficiência, investindo no seu conhecimento, proporcionando situações diversas para o progresso no processo de aprendizagem.


APRENDIZAGEM DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA

Diante de realidades distintas, trago alguns resultados acompanhados na escola regular e na escola especial, nas quais atuo profissionalmente. A dinâmica do trabalho desenvolvido na 1ª série do ensino fundamental de nove anos, na escola regular, é semelhante ao desenvolvido na turma de Pré-alfabetização da APAE. Durante alguns anos de prática pedagógica percebi, através das fases propostas por Emília Ferreiro que o processo que os alunos passam para se alfabetizarem é o mesmo, porém o ritmo é bem diferenciado.
A seguir, apresenta-se o processo de construção da escrita de um aluno da escola especial cujas características são:
Ingressou na APAE em 2003 com 07 anos de idade;

Apresenta o quadro de deficiência múltipla com paralisia cerebral espástica, com hemiparesia direita associada à epilepsia, retardo mental e déficit auditivo, provavelmente por fatores gestacionais e perinatais;

Não freqüenta a escola regular;

Tem história de várias transferências;

Atualmente com 12 anos.


Em 2003 ingressou na Escola especial (APAE), com 7 anos de idade. Apresentava o nível pré-silábico, representava a escrita com símbolos variados. Em 2008, passados 5 anos, depois de várias transferências e retornos, com 12 anos de idade, esse mesmo aluno apresenta o nível silábico no processo de construção da escrita.



Em seguida o processo de aprendizagem de outro aluno com as seguintes características:

Ingressou na APAE em 2003 com 10 anos de idade;
Apresenta o quadro de deficiência múltipla com retardo de desenvolvimento neuropsicomotor e epilepsia com crises convulsivas de difícil controle associado à déficit escolar importante. Causa provável: meningite bacteriana;

Freqüenta a escola regular;

Atualmente com 14 anos.

Ingressou na Escola especial (APAE) com 10 anos de idade, no ano de 2003. Apresentava o nível pré-silábico, registrava graficamente as letras, sem corresponder sons e grafias. Após 5 anos, atualmente com 12 anos de idade, o aluno apresenta o registro alfabético, conforme mostra o exemplo a seguir:


Em seguida, o registro de uma aluna, também da Escola Especial (APAE), já organizado em forma de texto:


Podemos fazer paralelo com uma criança da escola regular com 6 anos de idade, que em questão de três meses passou do nível pré-silábico ao nível alfabético.

Registro em fevereiro e março de 2006.


Registro em maio de 2006 e em junho construindo frases.



Pode-se perceber que conforme as autoras Isabel Neves Ferreira e Mara Monteiro da Cruz, as crianças com deficiência passam pelo mesmo processo de construção para aquisição da leitura e da escrita que as crianças sem deficiência, o que diferencia uma da outra é o tempo em que essa construção acontece.

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